Texto: Larissa Pontes / Revisão de Texto: Antonio Moura
Thank you for reading this post, don't forget to subscribe!No último sábado (04), tivemos o bloco de bar em bar, também chamado de bloco da galera, com grandes atrações, como Xand Avião, Zé Vaqueiro, Mari Fernandez, Léo Santana e Menos é mais, prometendo uma edição histórica. A estrutura do evento era grandiosa, com um palco amplo e uma passarela, além de um show de fogos de artifício.
O evento prometeu que todos os ambientes teriam estrutura para acessibilidade e disponibilizaria um espaço para as pessoas com deficiência. Contudo, recebemos queixas de falta de acessibilidade no bloco.
Nicole Aguiar, formada em Direito, narrou a sua experiência ruim no evento. Ela tem meningocele, uma má formação que acontece durante a gravidez, e, por isso, usa cadeira de rodas. Ela esperava assistir e curtir os shows dos seus cantores favoritos, especialmente do Zé Vaqueiro, já que nunca havia ido a um show dele. Ao chegar ao evento por volta das 17h30, percebeu-se a ausência de acessibilidade. Não havia autonomia para entrar e sair da área destinada às pessoas com deficiência, sem contar a falta de segurança e fiscalização, o que permitia que pessoas sem deficiência invadissem o local.
“Quando cheguei ao evento perguntei aos segurança sobre a área pcd, ele não soube me informar e chamou uma pessoa da organização que estava perto. A organização falou que eu havia entrado local errado, que a entrada da pessoa com deficiência era outra entrada, porque a área pcd ficava do outro lado.” relatou Nicole.
Nicole questionou a ausência de um comunicado nas redes sociais sobre a entrada para pessoas com deficiência, viu apenas que tinha uma entrada para todos. A organização solicitou que os bombeiros acompanhassem até o local acessível. “Chegando na área acessível, os bombeiros me largaram lá e foram embora. Percebi existirem pessoas sem deficiência na área, que não tinha nenhum segurança na área acessível olhando se pessoas sem deficiência estavam invadindo. Eles só colocaram um pano preto para dividir a área pcd”, descreve Nicole.
Nicole não podia enxergar o palco devido às pessoas que estavam em pé à frente quando os shows começaram. Ela pediu para a pessoa que estava na sua frente para dar um pouco de espaço, para que avistasse o palco e aproveitar o show. A pessoa respondeu: “Você já está na área acessível e ainda quer ver o show?” Esse tipo de atitude é uma forma de discriminação contra pessoas com deficiência.
O Estatuto da pessoa com deficiência no artigo 4 assegura que “Toda pessoa com deficiência tem direito à igualdade de oportunidades com as demais pessoas e não sofrerá nenhuma espécie de discriminação”. No primeiro parágrafo fala-se o que é discriminação: “Discriminação é toda forma de distinção, restrição ou exclusão, por ação ou omissão, que prejudique, impeça ou anule o reconhecimento ou o exercício dos direitos fundamentais de pessoa com deficiência, incluindo a recusa de adaptações razoáveis e de fornecimento de tecnologias assistivas.”
É crime descriminar uma pessoa com deficiência, segundo o artigo 88 da Lei Nº 13.146/2015 “Praticar, induzir ou incitar discriminação de pessoa em razão de sua deficiência.” A punição para quem infringe a lei é a reclusão de 1 a 3 anos e multa.
Nicole permaneceu tentando de alguma forma assistir ao show. Quando Zé Vaqueiro, começou a se apresentar, começou a chover muito forte e mais pessoas sem deficiência começaram a pular na área de acessibilidade. “Fiquei no fundo da área de acessibilidade, ao lado de uma mulher grávida que estava com medo de ser agredida. Eu e meu amigo pedimos que ela se colocasse atrás da minha cadeira para que as pessoas não a machucassem”, disse a bacharelada em direito.
Anderson Gomes, produtor de conteúdo e estudante de Educação Física, que acompanhava Nicole, relatou que a área de acessibilidade ficava localizada ao lado do centro de convenções e na frente havia uma ladeira. “Nós sempre timos que ficar conferindo se o freio cadeiras de rodas estava acionado, teve uma hora que Nicole foi empurrada e quase caiu”. Nicole não caiu porque alguém que estava na sua frente a segurou.
Outra impossibilidade era o consumo de bebidas, devido à ausência de organização. “Não bebemos nada durante a noite, porque havia muitas pessoas e os atendentes não dava conta de todos os consumidores. Além disso, as pessoas que acompanhavam as pessoas com deficiência não tinham nenhuma identificação que íamos comprar bebida para eles. Só conseguimos alimentação, porque eu sair dessa área da pessoa com deficiência para poder comprar, porque para chegar aos quiosque não existia acessibilidade” — relata Anderson.
Nicole e Anderson não puderam assistir aos outros shows que haviam programado para a noite, pois, devido às inúmeras dificuldades de acessibilidade, não conseguiram permanecer no evento após o show de Zé Vaqueiro. Mas para sair do evento enfrentaram mais problemas de acessibilidade. Porque durante o evento choveu bastante, deixando diversas áreas com lama.
“A área destinada às pessoas com deficiência estava, aproximadamente, a 50 metros da saída, o que não era tão longe, mas, para sair, só havia duas opções: uma por uma ladeira cheia de barro ou no meio do evento, onde havia diversas pessoas, o que tornava a situação meio impossível, uma vez que eu precisaria de ajuda e não havia bombeiros presentes. Então tivemos que sair na ladeira de barro” conta o estudante Educação física.
Esses exemplos revelam a necessidade que a sociedade tem de dar mais atenção às pessoas com deficiência, que são invisibilizadas constantemente. “Eu nunca me senti tão constrangia, por conta de um grande descaso com as pessoas com deficiência. Para mim foi um dos piores eventos que já fui na minha vida. Eu já fui em vários eventos gratuitos, mas com estrutura de acessibilidade bem melhor. Eu e meu acompanhante pagamos no total R$250,00 no ingresso e eles ainda entregavam um abadá enorme para todo mundo, tamanho GG para gente ser obrigado a fazer customização com eles que são do evento. Eventos como este mostram que a única intenção era lucrar”, descreve Nicole.
Quando os eventos não são acessíveis, diversas pessoas com deficiência e necessidades especiais são desrespeitadas e seus direitos legais não são garantidos. Acessibilidade é uma questão séria, não deve ser tratada como qualquer outra coisa. Existem pessoas que precisam que esse direito seja garantido para poderem ter independência, liberdade para aproveitar os eventos como todas as outras pessoas.
Existem empresas e organizações que fazem um trabalho sério de garantir a acessibilidade em eventos, a maioria dos eventos não quer contratar esses serviços porque acham que são serviços que podem ser dispensados.
A acessibilidade em eventos é assegurada pela Lei nº 10.098/2000, a qual estabelece a remoção de obstáculos arquitetônicos, de comunicação, metodológicos e instrumentais, a fim de proporcionar uma melhor qualidade de vida para todas as pessoas com deficiência ou mobilidade reduzida.
Todos esses entraves à acessibilidade poderiam ter sido solucionados se olhassem para as pessoas com deficiência respeitosamente e inclusiva. “Precisamos de lugares para que as pessoas com deficiência possam circular pelo evento, ir à lanchonete, ao bar, ficar mais perto do palco para poderem ver os artistas melhor, sem ninguém na frente e com uma cerca atrás, e seguranças nos protegendo. Além disso, precisamos de intérpretes de libras e de outras medidas”, explica Nicole.
A produção do evento do bloco de bar em bar não respondeu à nossa solicitação de entrevista até o fechamento dessa reportagem.
Confira o video:
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